O toque irritante em midi, anunciando o recebimento de um sms, me fez despertar chateada, implorava por mais 15 minutos de sono vespertino para poder curar a ressaca do dia anterior e o trabalho do dia atual. Bruscamente levantei minha mão da cama para a mesa ao lado procurando o celular.
“Vou para o Ensaio no Parque. E vc?”
Respondo um “tb” rápido, levanto suada, o que custava me dar mais quinze minutos de sono? Bom, quinze minutos já era o tamanho do meu atraso. Contava com o atraso rotineiro do evento para chegar pontualmente.
Lembrei do Sarau Multicultural e o “zerinho ou um” tirado para ver quem ia passar no evento, chegando à conclusão que, às vezes, é bem ruim misturar entretenimento com trabalho.
Troquei-me rapidamente com o sono ainda batendo...
Estava ainda vivo na memória o fiasco do Sarau Multicultural e a sensação de perca de tempo que pareceu invadir as pessoas que eu pensei que fossem assistir ao evento, e deixaram a marca de sua ausência exposta no vácuo formado no meio da praça. Só os gatos pingados de sempre apareceram para bater o ponto.
Amarrei o cabelo volumoso em um coque estranho e costumeiro, passei algo na boca, calçando a mesma sandália surrada de guerra.
O Sarau... mais um evento produzido visando trazer alternativas de lazer além dos forrós e pagodes excessivos da região, mais um evento: às moscas.
Há alguns anos era possível ver quatro vezes mais público do que agora nesses eventos. Qual é exatamente o problema? Onde está a falha? As pessoas já não gostam mais de rock? O rock está morrendo? Todo aquele pessoal que assistia a aqueles shows de antes se mudaram? Morreram? Viraram pagodeiros? Ou se trancaram em casa preferindo, por amor aos tímpanos, escutar o seu rockzinho bem trabalhado?
Quase escorregando ao descer a escada, não consegui oprimir uma sensação de desgosto... Mas a gente se acostuma a tanta coisa não é mesmo? Uma a mais, uma a menos, maldito comodismo!
Qual das alternativas é mais aceitável? Acreditar que aquela lotação de antigamente na concha acústica não era nada mais do que um público poser e modista? Ou será que a falta de animação e público não se trate apenas da falta de roqueiros na região, se trate também das sequelas deixadas pelas bandas que socam nos seus ouvidos sons mal-feitos? Você sairia de casa sabendo que iriam macular músicas que embalaram suas dores, suas alegrias, sua meditação, suas emoções?...O quê estava eu fazendo saindo de casa? Ah, trabalho, maldito diversão! Uma ultima esperança... será que é possível? Será que meu querido rockn’roll não deixará bons descendentes? Será que tudo vai ser destruído pela massa colorida e consumidora compulsiva de prazeres exagerados?
Arrastando-me em caminho ao parque municipal, escutei ao longe o sinal que anunciava que minha especulação sobre a pontualidade do evento estava errada.
Uma voz feminina, uma canção nacional, batidas de um hit oitentista.
Apresso o passo, não tinha escutado, ainda, um vocal feminino no evento, a música acaba.
Começa outro hit, é Nirvana, é uma harmonia fiel, é um inglês relativamente bem pronunciado, ao menos sabe a letra, satisfaz um tanto.
Coloco o pé no quiosque, acaba a música. Vou atrás de um conhecido. Acaba o “ensaio” dessa banda tão logo eu cheguei. Procuro informação, qual é banda? Que nota para o ensaio?:
A Retrospecto em retrospecto, só hits antigos, os mais pops, adaptados ao vocal feminino. Nota para o repertório: 7,0. Nota para a banda em geral, avaliando harmonia, desenvoltura e solos em gerais errados: 6,0. Leva um: nada mal. E eu perdi a apresentação...
Coletadas as informações, me contento com o fato de não ter visto a banda e ter que usar do discernimento de outros para comentá-la. Próxima banda “sobe” ao “palco”. Ótimo! Que continue o ensaio!
Reliving invade o palco com “seu sorriso de merda” em meio a uma galera desanimada e apreensiva demonstram “sua alegria passageira” enquanto eu assisto copiosamente a voz melosa transformar-se em guturais exagerados que deveriam demonstrar um sentimento reprimido se libertando, mas “isso me incomoda... mesmo estando por fora” porque as músicas em gerais são o cúmulo do egocentrismo, o sentimento reprimido é falso, sem sentido e mais temporário que a “alegria passageira”, é a pura depressividade em excesso, idolatrada em demasia por um estilo que não é nada mais que as vontades do ego brigando com o superego em uma guerra interna e fútil. Maldito seja o dia no qual a alegria não for passageira, maldito seja o dia que só houver felicidade, maldito seja o dia no qual a raça humana estancará na escala evolutiva por já ter alcançado a alegria eterna.*
Olho ao redor procurando encontrar suporte psicológico que me faça crer que aquilo não será o futuro. Aproximadamente vejo um grupo de punks fazer piada com a banda e tentar, em vão, com o seu violão abafar o som excessivamente doloroso que vem do “palco”.
O Punk, movimento da década de 70, rápido, cru, gritado, cantado, rasgado, vivo, revolucionário, muito mais que um som, um rasgo na sociedade cuspindo todas as feridas expostas (desemprego, guerra, violência, etc.) que eram superficialmente maquiladas com hipocrisia e dissimulada ditadura. Movimento musical e social.
Outro. Os hippies, surgindo dos movimentos musicais na década de 60, tão forte era o seu ímpeto por lutar por algo maior, que toda a referência musical que originou o “estilo” ficou em segundo plano, precursores da luta ambiental e da anarquia, pregadores da paz e do amor.
Por entre o barulho apreciei uma tentativa de Tom Jobim de um mero violão sufocado pelos guturais. É pau, é pedra... Será que é o fim do caminho? (Será que ficaria legal em uma versão de rock?)
Mas nem tudo são flores, as coisas desandam quando se tem intenção e falta disposição para mediar dois pontos de vistas. Se for tudo radical demais, exemplo de dois movimentos que deixaram uma lição de luta social, a maioria SE não respeitar a opinião dos outros destroça os diferentes, e os diferentes tem que entender que ser diferente também é igual em direitos.
Essa mania de tentar impor aos outros aquilo que eles não querem e nem conseguem entender, essa mania do ser humano de olhar só do seu próprio ponto de vista. “Eu sei que não errei, a vida inteira tentei...”* (ser o melhor de mim?) [Não lembrei o resto]
Essa mania me parece a característica principal dos novos estilos musicais: lamurias sobre a própria vida... Até na música que foi dedicada a alguém, começava com frases que soarem evidentemente depreciativas para a pessoa.
Nas partes melosas, a Reliving, para ser Restart só falta a roupa colorida. Mas o que eles querem na verdade é mostrar a qualidade do som pesado que fazem... Mas em geral, a Reliving até que tem uma banda que dá para o gasto mesmo tocando umas musiquinhas ruins ...
Mas já parou para notar a diferença que faz uma pedaleira? O que será que aconteceria com algumas músicas sem pedaleira?
Enfim, depois de muita tortura, a Reliving cedeu lugar para a banda Quinta Coluna, o público pareceu aumentar e se animar mais. Ao fundo o sol já se pondo trazendo forte luminosidade.
A Quinta Coluna cravou seus cinco pilares, trazendo um teclado a mais em carga, proporcionando uma oferenda de músicas leves, até mesmo românticas. Tocando de Creed a John Lennon, de Raimundo a Alcione, agradando a gregos, a troianos e a alguns integrantes da Reliving.
Deixando a desejar nos solos da guitarra por conta do volume baixo, recompensando, porém, nos solos do teclado. Mas o mais preocupante da Quinta Coluna é a falta de amor e compaixão pelo seu vocalista, me pergunto sinceramente que alma desumana deixaria uma pessoa cantar com a mandíbula quebrada enquanto chupa uma balinha? Porque o colocaram em situação tão dolorosa?
Existiu apenas uma alma piedosa, a de uma moça que tomou-lhe “brutalmente” o microfone para deixá-lo descansar sua mandíbula enferma. (Para cantar o trecho da música dos Raimundos que é cantado por uma mulher)
O sol vermelho se extinguia gritando em tons crepusculares a morte do rei para a chegada da noite, trazendo ao palco a banda Conspiracy Theory 99.
De repertório mais pesado e seco, a Conspiracy Theory 99 precisa urgentemente de um guitarrista base (interessados, por favor, deixar currículo nos comentários, ou não). Com apetite por velocidade e agitação, a CT99 (eu não vou ficar digitando esse nome enorme toda hora) mostrou nesse ensaio qual caminho vai seguir, e se mostrou relativamente bem, a não ser pelo fato de estarem tocando como se não gostassem das músicas e quisessem só mostrar que sabiam tocar um instrumento. Espero ver as próximas apresentações com um repertório igualmente forte e um pouco mais quente.
Para finalizar o evento que estava beirando às 20h, Sinopse entra em cena.
Fazendo jus ao nome rápido e fácil, e para alguns um pouco entediante, a Sinopse vem animada e leve, acostumaram-se ao ritmo das apresentações, parecem menos inseguros e mais centrados no que querem, mas é realmente uma pena que o querem limita-se a um cover de um bandinha ruim. Que tal inovar um pouco? Fazer uma música nova? Tentar outro estilo? E ai?
PS: Sei que me empolguei nesse post, mas e daí?
* Entre aspas os trecho de alguma música de autoria da Reliving.